Dezembro?
Não gostava. A insana parafernália natalina fazia com que a cada ano ela
sentisse mais vergonha de suas origens cristãs. Compras intermináveis,
felicitações forçadas, excesso de comida, decorações descontextualizadas... “Só
mais este ano, e fim.” - justificava-se, ao entrar em cada loja.
05/03/17
– dezembro
Um passo
depois do outro, norteado pelo som do dolorido piado, pé ante pé ele se esgueira
pela escuridão do quintal até a mãozinha encontrar a arapuca. Ao levantar a
armadilha, a lufada de um bater das asas lhe ilumina a face, o quintal e o pesadelo
do irmão mais velho.
04/03/17
– armadilha
Sol a
pino. Khaled desce do camelo e se afasta até sumir por entre as dunas. O animal,
conduzido pelo instinto, retorna à casa.
- Onde se
meteu aquele infeliz inútil? - pergunta para o camelo a raivosa esposa.
Em
resposta ele lhe cospe na cara e volta a lacrimejar na direção do deserto.
03/03/17
– deserto
Irritada,
coloca-o sob a goteira e senta-se ao lado, decidida a vê-lo encher. Como demora,
ela dorme. Acorda a tempo de seguir a gota que faz o balde transbordar em fio
de água, da borda ao chão. Volta a escrever, agora em paz.
02/03/17
– transbordar
Contam
ter começado assim: Naquele dia não estavam servindo espaguete ao alho e óleo. Decepcionado,
Adriano decide se retirar, mas não o faz, pois o rapaz na mesa ao lado, sensibilizado,
docemente lhe sugere provar o delicioso talharim ao sugo, por conta e risco
dele mesmo, Antínoo.
01/03/17
– talharim
Deprimida,
colocou na vitrola a música que a fazia chorar. Ao ligar, acelerou por engano a
rotação. Tudo ficou divertido, engraçado. Depois, desacelerou, e as coisas
ficaram macabras, assustadoras. Ao voltar a rotação normal, a ela já não mais
interessavam as lágrimas.
28/02/17
– rotação
Livro
aberto para os amigos. Aos estranhos, acessível. Para o mundo, escavado em
leito. Fechou-se ao ser esbofeteado pelo juízo de que a unilateralidade de toda
aquela abertura havia lhe dilapidado a pureza, carcomida pelas malicias
alheias.
27/02/17
– aberto
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